A demissão, certamente, é um tema que ronda as cabecinhas de todos os funcionários de banco.
Os bancários de banco público, concursados que são, não pensam tanto a respeito, exceção feita àqueles em que, na hora em que todos são criados, Deus não carimbou a sua bundinha com a designação "serás bancário" (com cargo, número de matrícula e CPF) e que, por natureza, não aceitam a natureza opressiva e burrocrática desse servicinho tão pouco escorreito e, milagre, guardam interesse em outras coisas que não carimbos, taxas, formulários e procedimentos.
São esses, os protótipos de funcionário público - pois aliam o lado comercial, dinâmico e capitalista do banco à tartaruguice daquele que jamais será mandado embora, salvo alguma cagada excepcional. Eis eles, que carregam menos a opressão da demissão iminente (salvo tempos de FHC), mas os que também, em grande parcela, encaram a profissão como algo temporário para, após algum tempo (anos, décadas?), trabalharem na sua tão sonhada profissão, seja lá qual for.
Já vi bancário de tudo quanto é tipo. Tem o gerente que na verdade é dentista: está juntando alguns milhares para montar o consultório, depois de gastar alguns milhares pagando a faculdade. Tem aquela garota que estuda psicologia, dá aula em ONG's como voluntária nos sábados e é metida a hipponga. Bem que ela gostaria de usar sandálias e camiseta do Projeto Tamar, mas durante a semana se vê obrigada a se enfiar num taillerzinho preto e usar sapato de salto alto. As unhas, impecáveis, e o vocabulário, sem qualquer traço de gíria ou linguagem informal. É só obrigado, senhora, volte sempre etc.
Existe aquele também que sente ojeriza a procedimentos cuja razão de ser mora na obscuridade, que odeia linguajar falsamente polido e sorrisos de gentileza mais amarelos que o sol, que odeia tentar convencer clientes o quão maravilhoso é aplicar seu dinheiro em títulos de capitalização. É bem aquele sujeito que sonha em um dia se tornar escritor, entrevistar pessoas interessantes, sobre assuntos verdadeiramente interessantes, viajar a lugares, adivinha, interessantes, e que pretende ainda ler muitos livros sobre assuntos, bah, interessantes, assim ampliando o vocabulário e melhorando o estilo (principalmente no que se refere a adjetivos).
Para isso, estuda jornalismo à noite, e um dia pretende trocar o caos e o estresse da vida bancária pelo lugar calmo e pacato que é a redação de um jornal diário.
Disse-me que, nas horas vagas, escreve um blog sobre a vida do bancário, deve ser bom, vai lá saber.
O complicado é trocar o salário medíocre do bancário pelo salário mixuruca do estagiário em jornalismo. Por mais desapegado ao dinheiro e ao poder que se possa ser, dá tristeza e melancolia profunda em imaginar o salário de "x" reais se transformar num salário de "x/2" reais todo mês. Dá calafrios e tristeza de afundar os olhos pensar que você vai se tornar aquilo que tanto te atrapalha no seu trabalho e que você pode mandar nele sempre que precisa, que é o estagiário.
Enquanto a decisão inevitável não vem, eu tento fazer aquela coisa que muitos já tentaram fazer (viu, o aspirante a jornalista sou eu, há há). Tento separar a vida pessoal, o próprio pensamento em si, do "ser bancário". Tanta gente faz isso. É fácil.
É demitir-se psicologicamente: se fuder durante 6 horas, todo dia, e depois, aquela coisa, "trabalho no banco, eu? quem me dera".
Odeio tudo isso (nem tanto, vai), e, depois da demissão da minha alma do banco, a alma flutua muito mais leve.